
Onde ficava o maior cortiço do Rio, o Cabeça de Porco?
Publicado em: 31-05-2025Quem passa hoje pelo Terminal Américo Fontenelle, atrás da Central do Brasil, no Centro do Rio, talvez não imagine que ali funcionou, até o fim do século XIX, o maior cortiço da cidade — e um dos mais simbólicos da história urbana do Brasil. No número 154 da problemática Rua Barão de São Félix, uma estalagem que abrigou cerca de 2 mil pessoas em condições insalubres acabou dando origem a um termo que, mais de um século depois, ainda é sinônimo de precariedade urbana: Cabeça de Porco.
O cortiço Cabeça de Porco foi demolido em 26 de janeiro de 1893, sob aplausos de parte da imprensa e olhares atentos da população, que se acotovelava para assistir à cena. A ação, adotada pelo então prefeito Barata Ribeiro, foi tratada como um espetáculo, já que apontava a necessidade da derrubada para a abertura do Túnel João Ricardo, que liga a Central à Gamboa.

O nome não era ironia
Na entrada do cortiço havia um grande portal ornamentado com uma cabeça de porco em gesso — uma ironia aos tradicionais leões de chácara que enfeitavam a entrada dos antigos casarões do Rio. Arcos com figuras de animais em gesso eram comuns na época, mas ali o porco selava, com sarcasmo, a condição dos que viviam dentro. O Cabeça de Porco funcionou por cerca de 50 anos. Era quase um bairro dentro da cidade: tinha um corredor central, duas alas com mais de cem pequenas casas e outras “ruas” internas, nos fundos, já na encosta do atual Morro da Providência. No portão, uma cabeça de porco em ferro ornamentava a entrada, e deu nome à construção. A expressão, que virou sinônimo de cortiço no vocabulário popular, nasceu ali.
Histórias curiosas rondam o Cortiço. Uma delas é que o terreno onde as casas pobres foram erguidas seria de Luís Filipe Maria Fernando Gastão, o conde d’Eu, que era genro de D. Pedro II.
A habitação coletiva surgiu como resposta à enorme demanda por moradia entre trabalhadores livres, ex-escravizados e imigrantes pobres que, diante da necessidade de trabalhar diariamente, se concentravam no centro da capital. Cortiços como o Cabeça de Porco floresceram nas décadas de 1850 e 1860, impulsionados por especuladores que enxergaram oportunidade no aluguel de cômodos baratos. Em 1884, só na freguesia de Santana, onde ficava o cortiço, já havia quase 400 estalagens desse tipo.

Campanha de ‘higienização’
Mas, a partir da segunda metade do século XIX, os cortiços passaram a ser alvos preferenciais de campanhas de “higienização” urbana. Crescia o temor entre as elites de que essas áreas pudessem se tornar focos de epidemias — e de revoltas. Pressionada por esse discurso e também pela especulação imobiliária, a Intendência Municipal decidiu extinguir o Cabeça de Porco. Ignorou apelos dos donos e de quem vivia lá. De “presente”, os moradores receberam apenas os restos da demolição.
Com pedaços de madeira e escombros, muitos subiram o Morro da Providência e improvisaram novas moradias. Estava lançado o embrião de uma das primeiras favelas do Rio.
A Revista Illustrada, publicação de crítica política e social da época, reagiu com ironia à destruição do cortiço. Chamou o prefeito de “barata que engole um porco pela cabeça” e ironizou o foguetório que acompanhou a demolição. Para além da metáfora, a frase mostrava o contraste entre o espetáculo da remoção e a realidade dura dos despejados.
