
Prédio centenário que abrigou o “Geraes”, na rua do Ouvidor, começa a ser restaurado e vai abrigar Museu do Café
Publicado em: 18-05-2025Muito se tem comentado sobre o elogiado projeto Reviver Centro Patrimônio Pro-apac, da Prefeitura do Rio, que promete trazer de volta à antiga beleza dezenas de imóveis históricos que se encontram em mau estado no Centro do Rio de Janeiro. A prefeitura vai desapropriar prédios que estão caindo aos pedaços e abandonados, e vendê-los a quem queira restaurá-los à velha forma, subsidiando estas obras. Mas tem quem já tenha começado a fazer isso, sem recursos públicos. É o caso dos novos proprietários do velho prédio do restaurante ‘Geraes’, que funcionou por mais de 60 anos em frente à igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, no Centro do Rio.
O imóvel tem nada menos que 13 portas para as ruas do Ouvidor e Travessa dos Mercadores, e é emoldurado pela igrejinha e pelos sobrados do Arco do Teles, para quem caminha pela ruazinha do arco em direção à Ouvidor. É basicamente a última visão de quem sai da tradicional travessa do Comércio. Sua enorme fachada com o primeiro andar todo em belíssimas cantarias de granito acaba de receber a placa de obras da Construtora Engearq, que fez, anos atrás, a reforma do Arquivo Nacional. O projeto de restauro do imóvel é da arquiteta Patrícia Fendt, do escritório de arquitetura Desenho Brasileiro, companheira e sócia do urbanista Washington Fajardo. O imóvel tem uma incrível interligação com a história do Rio de Janeiro: pertencia à Irmandade da Santa Cruz dos Militares, que vendeu-o a seus atuais proprietários, e os havia adquirido – está na escritura – de ninguém menos que “Francisco Távora, do Conselho de Sua Majestade, Governador e Capitão General da Capitania do Rio de Janeiro“, numa data bem distante: 3 de outubro de 1721, antes de ser construída a sua célebre vizinha, a Capelinha de Nossa Senhora da Lapa.
Mas a história continua! O prédio, de três andares e generosa frente com nada menos que 26 janelas, lindas varandas e bonitos detalhes e afrescos, foi construído após a revolta da Armada, em 1893, pois foi jogado ao chão pelas bombas disparadas pelo encouraçado Aquidabã; as mesmas que puseram abaixo a torre da igrejinha vizinha e lançaram ao solo a imagem de Nossa Senhora da Fé que, caindo de 25 metros de altura, quebrou apenas dois dedinhos. Reconstruído pela irmandade, foi logo ocupado pela casa Geraes, inicialmente uma empresa de importação e exportação que funcionava sob a razão social Soares Pereira & Cia Ltda. Ali – pertinho do antigo mercado municipal e da rua do Mercado do Peixe, era a parte menos valorizada da chiquíssima rua do Ouvidor, famosa por seus cafés, confeitarias, joalherias e Casas de Moda. A Geraes acabou mudando de ramo nos anos 60, quando se transformou num restaurante que funcionou no local até um pouco antes da pandemia, comprada que fora por um espanhol destes que reinam no ramo da alimentação: foi Restaurante Geraes,Geraes Griill e, antes do seu fechamento definitivo, Nova Geraes; ocupava também o vizinho, número 26, que agora funcionará como Casa Proeza, uma galeria de arte, e está sendo também totalmente restaurado, inicialmente por dentro.
Mas quem será o novo vizinho da igrejinha famosa pelas Missas Solenes com Coral e Grande Orquestra todos os finais de semana, e dos barzinhos com suas cadeiras e mesas nas ruas, pelos quais tantos têm se apaixonado nos finais de semana? A parceria entre os proprietários do imóvel e o Restaurante Sobrado da Cidade, na rua do Rosário vai gerar um dos cafés mais bonitos do Centro do Rio, que nasce no esteio do projeto Reviver Cultural, que instalará no local também o Sobrado Café, um grande empreendimento – com segredos ainda guardados a sete chaves – que mistura café com confeitaria e cultura, bem no estilo da velha rua do Ouvidor: um verdadeiro Museu do Café. Uma pista ou outra ainda se vê no instagram @sobradocafeoriginal , mas o segredo é bem guardado. Procuramos a Sergio Castro Imóveis, que realizou a transação e administra o imóvel, mas, em nota, a imobiliária se limitou a dizer que “as obras de restauro do casarão já estão em andamento, com licença de Obras concedida pela Prefeitura em Fevereiro de 2025, e supervisão direta e constante do Iphan, tendo em vista que o imóvel faz parte do conjunto tombado nacional da Praça XV”.
A região, desde a reabertura da Igreja dos Mercadores, ganhou novos bares e restaurantes, assim como espaços de cultura. A choperia Hops, regada a mais de 10 marcas de chopp artesanal e muito Rock’n Roll tem lotado a ruela ao lado da igreja, assim como o Bar da Gley, que traz samba de qualidade no Arco do Teles. Também a Galeria, Cinema Alternativo e Bar Queerioca, dedicada ao público LGBT, tem trazido aquela baguncinha esperta que o carioca tanto adora. Após o fim das Missas, o Bar da Dora, que tem uma deliciosa feijoada e se expandiu pegando mais um casarão na Travessa do Comércio, lota com a venda de torresmo, cerveja, pastéis e churrasco misto. Uma galeria de fotografias também trouxe um colorido diferente, no Arco do Teles junto à Praça XV, que fica quase intransitável no dia de Feira de Antiguidades, sem contar o delicioso Samba da Ouvidor, que na rua do Mercado reúne milhares de pessoas na porta do restaurante Capitu e do Alfarabi, sem contar o árabe Al Khayam. O Polo Gastronômico e Cultural da Praça XV vive, e seu pulmão é o trecho da rua do Ouvidor e da Rua do Rosário entre o Boulevard Olímpico e a Primeiro de Março, que vai ganhar um charmoso café e museu pra chamar de seu, bem no coração da área que virou sinônimo de cultura, patrimônio histórico e ƒé.

Pudemos descobrir que, apesar da imensa fachada com quase 30m de frente, o imóvel possui cerca de 700m2, e já teve seu telhado totalmente restaurado segundo as técnicas de telhado do século XIX. O prédio, durante a pandemia, foi invadido por cracudos que roubaram todas as calhas de cobre dos telhados, o que ocasionou a perda da estanqueidade e isso acabou transformando-o quase numa ruína, após quase 4 anos de chuvas constantes dentro dele. No alto, possui os lindos emblemas da histórica Imperial Irmandade da Santa Cruz dos Militares, uma das mais antigas do Rio. Agora, as obras internas e de fachada já começaram e o belíssimo imóvel tem previsão de entrega, pronto, até 2026. Os proprietários mantiveram o terceiro andar em seu poder, e farão uma portaria exclusiva para eles na Travessa dos Mercadores, mas a corretora não informa qual será o uso do andar, que atravessará tanto os prédios 26 como 28, e somará mais de 400m2 de laje praticamente livre, com deslumbrante vista para o casario, o Arco do Teles, o relógio – recém restaurado – da capela dos mercadores e o Centro Cultural da Justiça Eleitoral.
Os mesmos proprietários restauraram, em Santa Tereza, o histórico Armazém São Joaquim, construção do século XIX terminada em 1854, estrategicamente localizada no Largo do Guimarães, esquina com a Travessa do Castro. Hoje, no local funciona um badaladíssimo restaurante com pousada e lindo jardim que recebe turistas de todo o mundo, de frente pro Cinema e pro ponto do Bonde. Também fizeram o restauro do prédio onde funciona o DIÁRIO DO RIO, no Arco do Teles, o palacete da Sergio Castro Imóveis em Laranjeiras, e diversos outros sobrados na região Central, sempre com a finalidade de locação. “São diversos os empreendedores que, antes mesmo das iniciativas da Prefeitura, trabalhavam em mostrar a possibilidade de rentabilizar o patrimônio cultural do Rio, sempre criando pontos comerciais desejáveis, atrativos e interessantes”, diz a nota da corretora.