
Casa Tucum comemora um ano levando artesanatos indígenas para grande público no centro do Rio de Janeiro
Publicado em: 20-05-2025Embora calçado com cimento, asfalto, pedras portuguesas e outras bases que encobrem a terra, o chão por onde caminharam tupinambás, temiminós e outros povos indígenas ainda está ali no número 30 da Rua do Rosário, bem perto da Praça XV, da Baía de Guanabara, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. É neste local que fica a Casa Tucum – um centro cultural onde acontecem exposições, eventos e artesanatos de diversos tipos feitos em aldeias de todo o Brasil são comercializados para o público geral.
E bota público geral nisso. A região, passando por intenso processo de revitalização de antigos casarões históricos, se tornou uma das mais movimentadas da área central do Rio.
“É um sentimento de muito orgulho estar ocupando um casarão antigo no Centro do Rio. Uma região que ainda precisa de várias interferências do poder público. Seja na na questão da segurança, da iluminação, até mesmo de trazer o público até aqui, da de trazer as pessoas para circularem mais esse espaço, então esses são os desafios que a gente enfrenta. Mas ao mesmo tempo existe muito orgulho de saber que a gente nesse um ano conseguiu fazer mais de 50 eventos (entre atividades na Casa e ações fora dela por todo o Brasil). A gente recebe aqui, semanalmente, mais de 500 pessoas. Estamos muito felizes de estarmos podendo trazer a cultura indígena para cá. E uma uma coisa que me deixou muito feliz também é que os indígenas reconhecem aqui como um espaço deles. Então, é um lugar frequentado por pessoas indígenas, os eventos aqui sempre você vê uma galera indígena, um lugar que tem uma diversidade e é um espaço de aldeiamento onde esses indígenas que muitas vezes ficavam invisíveis e que habitam as comunidades aqui do Rio de Janeiro podem ocupar, vir aqui e se sentirem à vontade, prestigiar um evento de cultura ou até mesmo trazer o seu evento para cá. É muita alegria que a gente sente de poder estar a serviço da sociedade. E, de uma forma bem ampla, estar demarcando esse território de Rio de Janeiro terra indígena“, contou Amanda Santana, idealizadora da Casa Tucum.

Interior da Casa Tucum. Foto: Prefeitura do Rio
A Casa Tucum foi inaugurada em abril de 2024. No entanto, a história vem de antes. Amanda explica: “Eu abri a primeira loja da Tucum lá em Santa Teresa, comecei com essa em 2013. Fechei em 2019. Fechei a loja e fiquei só com o site. O site tem dez anos, a gente abriu o site em 2015. Nesse ano de 2019, eu fui morar em Teresópolis, levei tudo para lá e fiquei trabalhando de lá on-line. Aí veio pandemia, mas nesse movimento de quando eu fechei eu falei ‘eu vou voltar e quando eu voltar pro Rio eu quero ter um espaço maior’. Queria um local onde eu pudesse posicionar tudo o que a Tucum faz, que é aproximar mais o público das artes indígenas. A ideia sempre foi ter uma experiência, oferecer uma experiência ao público. Então, em 2021, eu comecei a desenhar esse projeto. A rascunhar ele, a pensar o que eu queria, onde eu queria, eu sabia que eu queria aqui no Centro. Desde sempre foi um projeto pensado para o centro, mas ele estava mais focado ali na Zona Portuária, ali perto do Museu do Amanhã, no Mar [Museu de arte do Rio], ali na Sacadura Cabral, mas eu tinha muita dificuldade de encontrar o lugar. E aí veio esse projeto do Reviver Cultural Centro, da Prefeitura. Eu já tinha o projeto nesse tempo que fui desenhando, correndo atrás de investimento, financiador e tudo mais e aí quando apareceu o edital da Prefeitura, eu já estava com o projeto pronto, a gente só teve que adaptar para os moldes do edital e entregamos. Fomos selecionados e estamos aqui ocupando esse espaço que hoje é um território indígena demarcado no Centro do Rio”.
O projeto da Casa Tucum tem como norte principal promover laços com indígenas de todo o país. Os artesanatos são comprados pela Casa nas mãos de indígenas de 110 povos. No ano passado, foram R$ 538 mil em mercadorias compradas das aldeias.



Imagens: Divulgação Tucum
Esses artesanatos são comercializados na Casa e, de acordo com as diretrizes da Tucum, garantem “relações equilibradas e simétricas que valorizam os modos de vida das populações tradicionais e indígenas“.
Na Casa Tucum, quem atende o público são indígenas anfitriões. Eles trabalham em escalas e sistemas de rodízio. Alguns estão no projeto desde o início.
Ao todo, são 4.860 pessoas envolvidas na produção de artesanatos para a Casa Tucum. Desse total, 3.386 são mulheres. “Desde 2021, a gente acompanha todos os impactos que a gente provoca, não só nas aldeias, mas na Casa também”, pontua Amanda.
Imagem: Casa Tucum/Divulgação
Sobre como o público que frequenta a Casa é impactado, Amanda observa que “a Tucum tem esse papel. De provocar esse reflorestamento das mentes, reflorestar as mentes é o que a gente procura. É trazer para perto. A arte tem essa função. A beleza das coisas. A impressão, a primeira impressão que ela traz para o olho, para a alma. É isso é que gera empatia. Então, a arte é uma grande ferramenta de aproximação desses universos. Do das pessoas não indígenas com essa realidade de narrativas, diversas narrativas que a gente tem o privilégio de conviver no Brasil hoje em dia. São mais de trezentos povos, duzentas e cinco línguas, então isso tudo aproxima a gente e faz desse espaço um lugar de letramento e a gente sabe que esse impacto existe no nosso público”.
Imagem: Casa Tucum/Divulgação
Amanda, que começou o projeto da Casa após viver experiências de troca com mulheres indígenas, já pensa nos próximos pontos futuros da Tucum.
“A gente abriu um chamado para quem quiser fazer eventos que são ligados com a nossa forma de trabalho, com os nossos objetivos e tudo mais. As pessoas vão poder trazer seu evento para cá. Vamos participar da COP 30 também, mas ainda não dá para falar muito sobre essa iniciativa, só dá para dizer que estaremos lá e essa questão dos eventos tem a ver com isso também, pois teremos eventos híbridos, com transmissões ao vivo passando na Tucum. A a gente está se preparando para esse momento, porque parece que está longe, mas já é daqui a pouquinho. Essa é a expectativa e sim, claro, mais aniversários. A gente tem mais quatro anos de contrato pelo menos. E a gente quer que esse espaço siga pulsante, forte, vivo. Como é um lugar de pertencimento e reconhecimento, é do povo, dos povos originários dessa terra que já foi dos tupinambás. Dos puris. Bem antes desses prédios coloniais serem construídos”.

Ao centro, de roupa branca, Amanda Santana participa de um dos eventos realizados na Casa Tucum. Foto: Divulgação
Além disso, será criado o Instituto Tucum, com propósito filantrópico, educacional e de pesquisa para com populações indígenas. Também está previsto a organização de um leilão de 12 Bordunas (uma arma indígena), seis botoques (disco de madeira ou cerâmica que se coloca no lábio inferior) e imagens do Cacique Raoni no intuito de arrecadar fundos para “um amanhã mais justo e sustentável para as comunidades indígenas”.
A palavra Tucum (ou Ticum) deriva do idioma tupi e significa “agulha para costura”. É uma espécie de palmeira bastante espinhosa e recebe esse nome porque os indígenas utilizavam seus espinhos para costurar. Cada ponto desse laço tem seu sentido de ser, existir e resistir.