
Estação Leopoldina já teve trem de luxo entre Rio e SP; agora, país aposta em trem-bala até 2032
Publicado em: 19-05-2025Mais de duas décadas depois da última viagem do antigo e saudoso Trem de Prata, o Brasil se prepara para reconectar suas duas maiores metrópoles por ferrovia. Agora, com alta velocidade, previsão de operação em 2032, e promessa de fazer o trajeto entre Rio e São Paulo em até duas horas. O projeto do trem-bala, autorizado em 2023 e orçado em R$ 50 bilhões, resgata um antigo sonho nacional — só que, desta vez, com um custo que já provoca debate. A passagem deverá girar em torno de R$ 500.
A TAV Brasil, empresa responsável pelo projeto, prevê o início das obras em 2027. O percurso terá 417 quilômetros de extensão e paradas em sete cidades ao longo do caminho, além das duas capitais. A estimativa de público é robusta: mais de 25 milhões de passageiros por ano. Se sair do papel, será um salto de modernidade para o transporte ferroviário brasileiro, que passou décadas à margem do planejamento de mobilidade no país.
Mas, para muitos, o novo trem desperta uma sensação de déjà vu. Afinal, a ligação Rio–São Paulo já teve seus dias de glória sobre trilhos. E com muito mais charme, diga-se de passagem.
Ícone da década de 90

Em 1994, uma composição cruzava esse mesmo trecho em pouco mais de nove horas, oferecendo suítes com cama king-size, chuveiro quente, serviço de bordo com jantar requintado e drinques madrugada adentro. Era o Trem de Prata, “o mais luxuoso expresso sobre trilhos do país”, como era descrito nos jornais da década de 90.
O trem saía da Estação Barra Funda, em São Paulo, e da Estação Leopoldina, aqui no Rio, em dias alternados. Com decoração inspirada em hotéis cinco estrelas e vidros blindados, o serviço foi pensado para competir com a ponte aérea, à época ainda inacessível para muitos brasileiros. O preço da passagem ia de R$ 135 a R$ 260 — algo entre R$ 983 e R$ 1.893 em valores corrigidos.
“Esse trem fez parte da minha infância. Viajei várias vezes com meu pai que trabalhava em São Paulo, mas morava no Rio. Era divertido e íamos dormindo de forma segura e confortável. Melhor que avião, mas lembro também que ele reclamava que era cara a passagem e que nem sempre era viável. Em um dos vagões tinha um bar-restaurante onde todos se reuniam. Alguns aproveitavam até para fazer negócios”, relembra a advogada Karen Toledo, de 50 anos.

Um “avião dos covardes”
Muito antes do Trem de Prata, já circulava na mesma rota o Trem Santa Cruz, em operação desde os anos 1950. Era o queridinho de artistas como Vinícius de Moraes, Elizete Cardoso e Ciro Monteiro, e ficou conhecido como o “avião dos covardes” — apelido carinhoso dado por quem tinha medo de voar, mas precisava transitar entre as duas capitais.
O Santa Cruz operou até 1991, mas foi perdendo força com o tempo. A má conservação da linha, somada à queda na taxa de ocupação, culminou no fim do serviço. O Trem de Prata tentou reverter essa maré com luxo e inovação. No início, deu certo. Nos finais de semana, a ocupação beirava os 100%. Mas os custos operacionais, problemas na infraestrutura e a concorrência crescente da aviação pesaram.

Fim do serviço
Após um período com atividades suspensas, o Trem de Prata foi reativado em 1994, com capacidade para 124 passageiros. Porém, após dois anos, o número caiu para 76 passageiros.
Em 1996, um acidente com um Fokker-100 da TAM na ponte aérea Rio–São Paulo fez aumentar a procura por vagas no trem. As centrais de reserva registraram um crescimento de 100% nas ligações, chegando a 250 candidatos em alguns dias. Nas segundas e terças-feiras, o trem costumava viajar com 50% de lotação, e 80% das passagens eram vendidas horas antes da partida, no Rio.
Com o passar do tempo, o barateamento das passagens da ponte aérea tornou a viagem de avião mais acessível que a ferroviária. Além disso, atrasos, acidentes e a falta de manutenção adequada da linha férrea — especialmente na malha suburbana entre as duas metrópoles — causavam até interrupções nas viagens, que precisavam ser completadas de ônibus na capital fluminense.
Depois de quase quatro anos, o serviço deixou de circular em 1998, tendo como um dos principais motivos a queda no número de passageiros. O último partiu na noite de 29 de novembro de 1998 da antiga Estação da Barra Funda (EFSJ), chegando à Estação Barão de Mauá (Leopoldina) na manhã do dia 30. O fim das viagens causou comoção entre funcionários e passageiros tradicionais da ponte ferroviária entre as duas capitais. O serviço é até hoje lembrado por carinho pelos cariocas mais saudosos.